As relações jurídicas entre os prestadores de serviços de saúde (hospitais, clínicas, profissionais de saúde autônomos, serviços de diagnósticos por imagem e laboratórios) e as operadoras de planos privados de saúde são reguladas e fiscalizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O principal objeto desta relação é a prestação do serviço de saúde pela rede credenciada aos usuários dos planos de determinada operadora, mediante remuneração desta ao prestador do serviço. Inclusive, a remuneração dos serviços contratados pelas operadoras sofre correção monetária e sempre será submetida ao reajuste de preços.
Nesse sentido, tem-se que a Resolução Normativa (RN) nº 456/2020 da ANS entrou em vigor no dia 30/03/2020 e dispõe sobre a suspensão da eficácia dos artigos 12, §2º da RN nº 363/14 da ANS e 6º da RN nº 364/14 da ANS, para fins de cumprimento da decisão judicial proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (ação nº 0074233-60.2015.4.01.3400).
Ambos os dispositivos que tiveram sua eficácia suspensa, versavam sobre a forma de aplicação do reajuste na relação contratual entre prestadores de serviços de saúde e operadoras de planos de assistência à saúde:
O art. 12, §2º da RN nº 363/14 da ANS dispunha que “o reajuste deve ser aplicado anualmente na data de aniversário do contrato escrito”.
Já o art. 6º da RN nº 364/14 da ANS previa que “na inexistência de contrato escrito entre as partes, não se aplicará o índice de reajuste definido pela ANS”.
Os fundamentos que levaram à decisão judicial e, consequentemente, à suspensão de artigos por parte da ANS (através da RN nº 456/2020), são os seguintes:
A Lei Federal nº 9.656/1998 dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, sendo a norma que rege a matéria. Logo, a resolução emitida pela ANS não pode contrariar texto de lei ordinária, sob pena de infringência à hierarquia das normas.
Dessa forma, o juízo da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal declarou, especificamente quanto aos supramencionados dispositivos da Lei Federal nº 9.656/1998, os seguintes direitos:
Portanto, com relação à suspensão do artigo 12, §2º da RN nº 363/14 da ANS, tem-se correta a aplicabilidade da norma legal que prevê o direito dos prestadores de serviço ao reajuste anual no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contado do início de cada ano-calendário.
Com isso, deverão ser observadas as regras previstas no art. 17-A, §§ 3º e 4º da Lei Federal nº 9.656/1998[1] e no art. 4º da RN nº 364/14 da ANS[2], com exceção da obrigatoriedade de observância de seu §1º.
Nesse sentido, vejamos a sistematização disponibilizada no site da ANS, editada em conformidade com a nova resolução:
Fonte:http://www.ans.gov.br/prestadores/contrato-entre-operadoras-e-prestadores/
obrigatoriedade-do-contrato-escrito/reajuste-dos-prestadores-de-servicos-de-saude. Acesso em 31/07/2020.
Ante ao exposto, possível concluir que a RN nº 456/2020 da ANS deu efetividade à sentença proferida pela 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal e suspendeu os dispositivos das RN’s nº 363/14 e 364/14 da ANS que restringiam ilegalmente o direito dos prestadores de serviços de saúde ao efetivo reajuste anual.
Assim, enquanto em vigor a referida Resolução Normativa nº 456/2020 da ANS, ficará suprimido o direito das operadoras de preverem em seus contratos com prestadores de serviços, a aplicação de reajustes nas datas dos aniversários dos respectivos contratos, uma vez que o dispositivo suspenso (§ 2º, do art. 12, da RN 363/14), contraria a Lei Federal nº 9.656/98.
Os reajustes deverão, portanto, respeitar a Lei Federal e se darão no prazo de 90 dias do início de cada ano-calendário, a menos que haja concordância expressa do prestador de serviço por outra data-base (inclusive a do aniversário do contrato).
Além disso, ainda que inexista contrato escrito entre a operadora e o prestador de serviço de saúde, este terá direito ao reajuste anual, inclusive no índice definido pela ANS.
Importante elucidar que, tanto a ação judicial, quanto sua decisão, não possuem relação com a pandemia do COVID-19, visto que ambas são anteriores ao ano de 2020. Todavia, a atitude da ANS em adequar sua regulamentação (por meio da RN 456/2020) ao decidido pelo Poder Judiciário, pode caracterizar tentativa de salvaguardar a estrutura econômica dos prestadores de serviços à saúde, que se encontra fragilizada diante dos reflexos da pandemia do Coronavírus.
[1] Art. 17-A. (…) §3º A periodicidade do reajuste de que trata o inciso II do § 2º deste artigo será anual e realizada no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contado do início de cada ano-calendário.
[2] Art. 4º A operadora deverá utilizar o índice de reajuste definido pela ANS como forma de reajuste nos contratos escritos firmados com seus Prestadores quando preenchidos ambos os critérios abaixo:
I – houver previsão contratual de livre negociação como única forma de reajuste; e
II – não houver acordo entre as partes ao término do período de negociação, conforme estabelecido na Resolução Normativa – RN nº 363, de 11 de dezembro de 2014, art. 12, § 3º.
(…) § 2º O IPCA a ser aplicado deve corresponder ao valor acumulado nos 12 meses anteriores à data do aniversário do contrato escrito, considerando a última competência divulgada oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.