O primeiro Bom Dia RH de 2025, tradicional evento promovido pela ABRH-PR, teve como tema central “As dores da liderança na história da gestão”. Realizado em 25/03, no auditório de Treinamento do Tecpar, em Curitiba, o encontro foi conduzido pelo consultor Joacir Martinelli, que, com mais de 30 anos de atuação no desenvolvimento de líderes, apresentou uma análise socio-histórica sobre os desafios da gestão, abordando fatores frequentemente negligenciados que impactam a eficácia das lideranças.
Ao dar as boas-vindas aos presentes, o diretor de Tecnologia e Inovação do Tecpar, Lanes Randal Prates Marques, expressou sua satisfação em receber todos para discutir um tema de grande importância: a liderança. “No Tecpar, vivemos a interseção entre o setor público e o privado, o que exige constante inovação e adaptação. Transformação é um processo complexo, que envolve mudanças em pessoas e paradigmas. A resistência é natural, mas precisamos superar barreiras para criar ambientes mais participativos e humanizados”, afirmou.
Ele destacou que a cultura organizacional pode dificultar mudanças, mas a inovação requer habilidades além da competência técnica. Prates enfatizou que “liderar é também acolher, entender que cada colaborador é mais do que sua função. Precisamos substituir a culpa pela busca de soluções e oportunidades. Que essa palestra nos inspire a evoluir e transformar nossas empresas”, concluiu.
O presidente da ABRH-PR, Gilmar de Andrade, ao abrir o evento, desejou a todos uma manhã produtiva, com a troca de ideias sobre um assunto tão relevante para a gestão de pessoas. Informou a continuidade da iniciativa ABRH-PR nas Empresas e anunciou uma programação rica ao longo do ano, incluindo o Congresso Paranaense de Recursos Humanos (CONPARH), em outubro.
Na ocasião, a vice-presidente executiva da ABRH-PR, Vera Mattos, anunciou que o Bom Dia RH agora contará com edições mensais e, a partir de abril, também terá a versão Boa Noite RH. “Nosso objetivo é promover trocas valiosas entre os participantes a cada evento”, afirmou.
Já o vice-presidente financeiro e de mercado, Luís Quental, ressaltou o papel da associação na conexão entre profissionais. “Nosso compromisso é conectar pessoas para o novo amanhã. A associação é significativa quando proporciona relacionamentos e oportunidades de capacitação dentro do nosso ecossistema”, destacou.
Protagonismo no ambiente corporativo
Durante sua palestra, Martinelli trouxe reflexões sobre o protagonismo nas empresas, destacando a dificuldade de muitos gestores em temas fundamentais, como dar feedback e desenvolver suas equipes. Ele apresentou um levantamento feito com 400 a 500 profissionais antes da implementação de um programa de aprendizagem para colaboradores. “Embora não tenha rigor científico, a pesquisa oferece um panorama da postura dos trabalhadores em relação ao protagonismo no ambiente corporativo”, explicou.
Os dados revelaram que apenas 19% dos entrevistados se consideram protagonistas, acreditando que ainda há espaço para evolução. Outros 20% não se veem como protagonistas, enquanto 6% não sabem como se avaliar nesse aspecto. Além disso, 66% recorrem imediatamente aos seus gestores quando enfrentam problemas operacionais, em vez de buscar soluções por conta própria. A proatividade também se mostrou um desafio: apenas 24% dos entrevistados propõem melhorias com frequência. No que se refere à tomada de decisão, 71% não se sentem autoconfiantes ou preparados tecnicamente para decidir por conta própria. Quando o assunto é desenvolvimento profissional, apenas 18% consideram que fazem tudo o que deveriam para evoluir na carreira.
Após apresentar os resultados da pesquisa, Martinelli explicou o conceito de protagonismo, destacando que o protagonista é aquele que age com iniciativa, sem depender de cobranças externas. “Ele é o primeiro a agir, o principal da ação, e age porque acredita, não porque foi mandado”, afirmou.
Para ilustrar a construção desse papel, Martinelli comparou o protagonismo profissional ao de um ator no teatro. Assim como o artista interpreta um personagem com base em um roteiro, os indivíduos também desempenham diferentes papéis ao longo da vida – sejam eles profissionais, familiares ou sociais. “Todos seguimos um script, mesmo que ele não esteja escrito. Nossa expectativa sobre certos comportamentos já está formatada pela cultura e pela sociedade”, pontuou.
Influência histórica
A relação entre poder e protagonismo também foi destaque na palestra. O especialista resgatou registros históricos, como o Código de Hammurabi (1792 a.C.), que já estratificava pessoas em diferentes camadas sociais (especiais, comuns, escravos), determinando quem podia mais e quem podia menos. “Ao longo dos séculos, diversas culturas reforçaram essa ideia de desigualdade de poder, seja por castas, linhagens nobres ou crenças religiosas”, destacou.
Trazendo a reflexão para os dias atuais, Martinelli questionou: será que todos os profissionais se sentem igualmente capazes de assumir um papel protagonista em suas carreiras? “Para ter iniciativa, é preciso sentir-se seguro, sentir-se capaz. E essa segurança não é distribuída de forma igualitária na sociedade. Muitas pessoas ainda não se percebem como protagonistas porque, historicamente, não foram estimuladas a se sentirem assim”, afirmou.
Ele lembrou que a administração moderna tem suas raízes no período pós-Segunda Revolução Industrial, sendo moldada por figuras que estabeleceram os princípios fundamentais da gestão empresarial. Entre esses nomes, Frederick Taylor se destaca como o pai da administração científica. O modelo de gestão de Taylor, entre 1910 e 1915, dividiu claramente os papéis entre quem define e quem executa, refletindo a mentalidade da época, onde eficiência e produtividade eram as prioridades. E provocou a plateia, questionando: “Uma ideia construída há mais de 100 anos sobre hierarquia e distinção de poder poderia deixar de influenciar nossa mentalidade organizacional?”
Pouco tempo depois, Henri Fayol consolidou a administração clássica, estruturando a hierarquia corporativa em níveis bem definidos. Segundo Martinelli, ele organizou as empresas em diretorias, com cargos escalonados, criando um modelo em que algumas pessoas tinham a responsabilidade de “definir e fazer cumprir”. Essa estrutura hierárquica, concebida há mais de um século, se enraizou na cultura organizacional de forma tão profunda que sua influência persiste até hoje.
Martinelli acentuou como mudanças estruturais são desafiadoras, comparando a evolução do empoderamento feminino e a luta contra o racismo estrutural com a transformação das estruturas organizacionais. “A mudança de um modelo enraizado há mais de um século exige um esforço contínuo para criar ambientes mais equitativos e dinâmicos”, disse. Também destacou que muitos gestores reproduzem, inconscientemente, um modelo de “comando e controle”, em que as decisões são centralizadas. “Esse modelo de gestão ainda influencia as empresas, fazendo com que os gestores tomem decisões sem envolver os colaboradores, criando um ciclo de dependência”, afirmou.
Autonomia dos colaboradores
Para romper esse padrão, Martinelli propõe uma abordagem mais estratégica e sofisticada. “Precisamos olhar para a maturidade técnica do colaborador e adaptar a liderança a esse nível, mas sem congelá-lo ali. Então, como empurrá-lo para o próximo estágio? Como deixar claro, desde o início, que a expectativa é que ele evolua?”, questionou.
Ao enfatizar a importância de uma mudança de mentalidade antes da aplicação de ferramentas de gestão, ele ponderou que antes de ensinar liderança situacional ou qualquer técnica específica, o gestor precisa ter uma profunda reflexão sobre seu papel. “Só depois disso as ferramentas terão um impacto real. Para mudar esse cenário, é necessário promover a autonomia dos colaboradores, com líderes preparados para incentivar o desenvolvimento de suas equipes”, pontuou.
Para que essa transição aconteça, Martinelli defende que os gestores devem comunicar claramente as novas expectativas para suas equipes. “O histórico construiu um modelo de trabalhador tarefeiro, mas agora é preciso que o colaborador assuma um papel mais autônomo. Precisamos sair do pensamento binário de “certo e errado”, “culpado e inocente”. As relações de liderança – e qualquer relação humana – são mais complexas do que isso. Nosso desafio é enxergar essas nuances para criar ambientes mais equilibrados e produtivos”, recomendou.
Por fim, Martinelli enfatizou a importância da liderança pessoal, destacando que “se um gestor não curar suas próprias feridas emocionais, ele pode acabar projetando suas inseguranças na equipe. Antes de liderar os outros, é preciso aprender a se autogerenciar”.
Foto: Leandro Provenci