O que o varejo pode aprender com o automobilismo?

27 de abril de 2020


Renato Vertemati

A corrida estava em andamento, o resultado parecia previsível. Ninguém à frente do líder, que só aumentava a distância dos demais; o segundo e o terceiro colocado também estavam bem seguros em suas posições, assim como o último colocado que dificilmente teria recursos para reverter a situação. Mas então, um acidente acontece e entra o carro-madrinha na pista. Todos se aproximam novamente e passam a andar na velocidade determinada pelo diretor da prova. Neste momento tudo pode acontecer: o último colocado pode fazer uma parada nos boxes, o líder pode ficar rodando confortavelmente sem mexer em nada do carro e, na relargada, aquele que tomou as melhores decisões enquanto o carro-madrinha estava na pista é o novo líder. Não importa quem ganhava a corrida antes, tampouco quem era o lanterna.

Assim enxergo esse momento em que vivemos. Tanto os grandes quanto os pequenos varejistas podem sucumbir à crise: falta de capital de giro, falta de fluxo, falta de fornecimento. E tanto os grandes quanto os pequenos também podem aproveitar este momento para pensar e implementar rapidamente a melhor estratégia para a relargada. Qual será o melhor jogo de pneus a se usar? Quanto de combustível será necessário? A pista está nas mesmas condições que estava antes do acidente? Pretendo, neste artigo, levantar algumas questões importantes para provocar decisões acertadas destes varejistas que encaram a quarentena como uma grande oportunidade para mudar o jogo.

A primeira questão é a compreensão da jornada do cliente – a pista da corrida. De um dia para o outro, a rota mudou: as pessoas passaram das ruas, escritórios e shopping centers para a segurança de suas casas. Deslocamentos, só diante de grande necessidade e em distâncias curtas. Se o cliente não pôde controlar a situação, quem dera o varejista – que precisa continuar vendendo para um cliente que não quer ou não pode mais entrar em sua loja. Estude, pergunte, pense: seu cliente trabalha em casa? Está conectado à internet, com um computador à sua frente e o celular funcionando freneticamente? É bem possível. Que meios de comunicação ele tem usado, que categorias de produto mais fazem sentido para esta sua nova rotina? E que serviços mais agregam valor? Dia desses fui impactado na web por uma promoção de pneus. Produto e preço. Será a melhor abordagem? Um serviço de manutenção automotiva (troca de pneus inclusa) com leva-e-traz não seria mais relevante neste momento em que muitos carros não estão saindo da garagem? Afinal, o carro não sai, mas o motorista também não está saindo.

Pensar seu negócio conforme a jornada do cliente é bem diferente de olhar para o estoque e entender o que precisa ser “desovado”. Entenda o melhor horario e por quais canais você pode chegar a ele, e quais as melhores mensagens para o momento. Tente entender que produtos fazem mais sentido, e também se faz mais sentido comunicar preço ou atributo – nem sempre a melhor promoção é simplesmente o menor preço. Feita a escolha da cesta de produtos, quais as formas e condições de pagamento devem ser ofertadas? E, para coroar todo o processo, a logística: como esse cliente pode ou quer receber seu produto? Ele se deslocaria até sua loja ou a um ponto de retirada? Prefere ser atendido na porta de casa? Quanto tempo é factível para a espera pelo produto?

Tendo a jornada compreendida e as soluções determinadas, implemente o mais rápido possível – pois a jornada pode sofrer num novo solavanco em questão de semanas ou dias. Se não dá pra implantar um e-commerce ou um sistema omnichannel em 3 ou 5 dias (acredite em mim, não dá), o que pode ser feito? Às vezes um funcionário comandando um celular com WhatsApp e outro montando e disponibilizando o pedido já basta para atender um cliente mesmo com as portas da loja fechadas.

Já tem um e-commerce funcionando? Pense na seleção de produtos, se existe oportunidade para ofertar kits de conveniência. Acrescente a opção de retirada em loja, entrega turbo, entrega grátis agendada com prazo maior. Entenda se é necessário flexilibizar meios ou condições de pagamento, partindo do princípio de que muitas famílias estão tendo problemas no fluxo de caixa com salários reduzidos ou até interrompidos – uma opção de parcelamento sem juros pode significar a diferença entre vender e não vender.

O presente está mapeado, as ações implementadas, a venda acontecendo. Será sempre assim? Da mesma forma que tudo mudou há algumas semanas, tudo mudará novamente em mais algumas. E que certezas podemos ter hoje para começar a preparar a próxima fase, em que poderemos acelerar sem o limitador do distanciamento social? A primeira e inexorável certeza é que o que virá não será exatamente igual ao período pré-crise. Mudanças profundas devem acontecer e, parafraseando meu pragmático pai, “mudança pra lugar melhor é fácil de assimilar”. Quem experimentou a entrega em casa, as facilidades de pesquisa e comparação online, jamais abandonará essa modalidade de compra. Pelo contrário, a crítica e a expectativa vão subir: entregas mais rápidas, um mix mais completo, informações (imagem e texto) detalhadas. Lembre-se: a barra de exigência das pessoas em situações de crise pode ficar temporariamente muito baixa, mas tende a subir tão logo a mesma se resolva. O funcionário com o WhatsApp não será mais o suficiente e o varejista deverá investir em uma plataforma de e-commerce, desenhar e implementar processos de retaguarda para rodar com mais eficiência a separação dos pedidos, o controle de estoque e o recebimento de valores. O ponto de retirada nas duas vagas de estacionamento mais próximas à porta da loja também precisará de um upgrade para um local bem sinalizado e seguro, monitorado por câmeras. O pós-venda poderá contar também com um sistema automatizado de pesquisa de satisfação, com um processo de análise e implementação de melhorias sugeridas pelos próprios clientes. E estes são apenas grandes e genéricos exemplos, cada relação cliente-empresa pode gerar numerosas necessidades e soluções.

Espero ter ajudado a tornar o mais proveitoso possível esse período em que o carro-madrinha está na pista. Lembre-se: não importa em que posição estava, mas sim o que pode fazer na relargada. Aproveite o momento, trabalhe com decisões e ações rápidas e aprimore sua estratégia para os próximos passos. Espero te ver no pódio!

Renato Vertemati – CEO Senso Performance Omnichannel

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